Qual é o palavrão mais usado em Portugal?
Qual será o palavrão que mais dizemos em Portugal? Começará por M? Por C? Ou talvez por F?
As duas novidades da semana: há um novo episódio n’A Vida Secreta das Línguas: «Qual é a origem de “feriado”?»; os meus livros estão agora disponíveis numa só página. Obrigado e bom fim-de-semana!
Palavrões…
Há uns meses, Gaston Dorren, autor de óptimos livros sobre línguas, perguntou-me qual é o palavrão mais usado em Portugal. Há muitos, claro, mas qual é aquele que todos dizemos quando damos com o pé na esquina da porta?
Fiquei a pensar um pouco. Não me parecia haver um palavrão que fosse mais usado que todos os outros… Dei a minha resposta, com muitas dúvidas.
Decidi perguntar a mais pessoas. Fiz um pequeno inquérito, que espalhei pelas famosas redes sociais.
Antes de revelar os resultados, gostaria que olhar para «palavrão» (a palavra). Parece ser um aumentativo, mas raramente é usada para designar uma palavra muito grande (embora também o possa ser —«otorrinolaringologista» é mesmo um palavrão) — designa, a maior parte das vezes, as palavras que estão sujeitas a um qualquer tabu (também chamadas «asneiras») ou, então, uma palavra tão rara que mal se percebe.
Também temos aquilo a que podemos chamar «palavrõezinhos», fazendo o diminutivo do aumentativo (a língua permite-nos fazer estas malandrices). Os palavrõezinhos são aquelas palavras que aparecem em substituição dos palavrões. Quando damos um pontapé na mesa, a nossa boca descai-se logo para o palavrão, para aliviar a dor (e alivia mesmo!). Quando chegamos à segunda sílaba, lá conseguimos tomar as rédeas à palavra e sai-nos algo como «fogo», «fosga-se», «caraças» ou «poças»… Estes palavrõezinhos são interessantes só por si, mas hoje não é dia de falar deles.
Qual será então o palavrão mais usado, pelo menos por quem se deu ao trabalho de responder ao meu inquérito?
Em terceiro lugar do pódio ficou «porra», com 12% das respostas. Se virmos bem, esta palavra já não é bem um palavrão (nem me atrevo a disfarçá-la com asterisco). A divisão entre palavras feias e palavrões é muito subjectiva, diga-se a bem da verdade.
Atrás de «porra», ficou «c*r*lh*», com 8%, que tem a particularidade de se dar muito melhor com os ares do Norte que do Sul. Então se passarmos a fronteira e entrarmos pela Galiza adentro, encontramos a palavra com uma frequência que assusta qualquer português meridional. Certamente, na Galiza, o «c*r*lh*» não ficaria em quarto lugar…
O segundo lugar, com 31%, foi para a palavra em que votei (se fossem eleições, o meu partido teria perdido): «m*rd*». É um palavrão a caminho de se tornar um palavrãozinho, mas ainda tem a sua força. Como esta é uma página familiar, até a m*rd* fica com asteriscos — o que também serve para mostrar como podíamos usar um sistema de escrita sem vogais. Aliás, se ainda usássemos a escrita fenícia, de onde surgiu o nosso alfabeto, escreveríamos algo como «mrd» em lugar do palavrão…
Por fim, o vencedor, com 43% das respostas, foi a expressão «f*d*-s*», que, mesmo assim, teria de negociar uma coligação para atingir a maioria absoluta.
(Houve ainda 7% de respostas variadas.)
Quando dei a Gaston Dorren os resultados, ele disse-me que nós andamos a navegar entre o palavrão mais comum do alemão, «Scheiße», e o mais comum do inglês, «fuck» (como são palavrões estrangeiros, não têm direito a asterisco). Talvez sejamos um país indeciso nos palavrões; ou talvez um inquérito que explicitasse a região do falante permitisse encontrar uma fronteira entre a zona do «f*d*-s*» e a zona da «m*rd*».
A verdade é que os dois palavrões mais usados têm resultados muito próximos. As respostas válidas que recebi foram apenas 127 — um inquérito com uma amostra maior talvez desse a vitória nacional à «m*rd*»…
Fica para qualquer dia.
Sugestões de leitura
Sugiro (não é a primeira vez) o blogue de Gaston Dorren e os seus livros Lingo e Babel. Há pouco tempo, John McWhorter publicou Nine Nasty Words, sobre o tema. Por cá, temos o Dicionário de Insultos, de Sérgio Luís de Carvalho, e o Pequeno Livro dos Grandes Insultos, do meu editor Manuel S. Fonseca (curiosamente, os livros portugueses sobre o tema concentram-se nos insultos).
Sobre o tema, já escrevi por aqui:
O artigo acima foi publicado pela primeira vez em 2021.