O português entre diabos, anjos e guias turísticos
Aqui fica um excerto da introdução de Queria? Já Não Quer?
Diabos, anjos e guias turísticos
Para explicar por outras palavras o que quero fazer [com este livro], vou pedir que imagine um guia a levar um grupo de pessoas a visitar uma cidade. O guia tem as pessoas à sua mercê, prontas a acreditar em tudo o que diz. Tem, aos ombros, o anjinho e o diabinho da tradição. O anjo diz-lhe para contar apenas aquilo de que está razoavelmente certo ou, pelo menos, para dizer que é lenda aquilo que é lenda. E, enfim, também lhe diz, com ar sério, para não inventar (só muito de vez em quando). O diabo é, para mal dos nossos pecados, mais interessante. Começa a picá-lo: «Conta-lhes tretas! Ninguém vai saber e ficam todos felizes e contentes, com histórias para contar quando chegarem a casa. Ficam com a sensação de ter aprendido alguma coisa.»
A tentação é forte. Direi até que, às vezes, é interessante ver a imaginação do diabinho escondido atrás da orelha de alguns guias. Mas, neste caso, a cidade que estamos a visitar é a nossa própria língua – somos como aqueles lisboetas que, às vezes, entram num autocarro turístico só para ver a cidade como os outros a vêem. Não queremos tretas, por mais interessantes que sejam. Queremos saber mais sobre a nossa cidade. Não temos paciência para o diabo mandrião. Queremos o anjo rigoroso – mas, se fosse interessante, ainda melhor!
Ora, neste livro, apresento-vos um outro diabinho (lá está: podemos sempre acrescentar um ponto). Um diabo que se senta ao ombro do anjo e lhe diz: «Tu tens razão, mas és um tanto ou quanto aborrecido. Faz o seguinte: pega nas histórias que ali o meu colega inventa para poupar tempo e interroga-as. Arma-te em detective. Investiga. Mostra o que de interessante se esconde nessas histórias inventadas – e, assim, surpreende este autocarro de lisboetas prontos a conhecer Lisboa. Ou melhor: de falantes de português prontos a olhar de novo para a sua própria língua.» Vamos sair do autocarro e entrar por ruelas escondidas da cidade, digo, da língua.
A Introdução já vai longa, mas ainda tenho algo para dizer: aquilo que gosto de fazer, nos livros, nos artigos, nos vídeos e episódios que vou criando, é levar a que olhemos para a nossa língua sem o cansaço da rotina. Porque a usamos tanto, nem reparamos nela. Quando um estrangeiro aprende português, fica mais admirado com os recantos da língua do que nós porque não está habituado a passar pelas mesmas ruas todos os dias. Pois bem: aqui fica o desafio: olhe para o português como se estivesse a aprendê-lo pela primeira vez. Como se entrasse na sua própria terra pela primeira vez.
Para Portugal (e outros países), o livro já está à venda na página da editora.
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