De Afonso a Marcelo em poucos minutos
O meu filho Simão faz 12 anos hoje e lembrei-me de recuperar uma crónica que escrevi quando ele tinha metade da idade. Aqui fica…
Lembro, já agora, que o livro Queria? Já Não Quer? está hoje em promoção na Wook. É boa oportunidade para encomendá-lo, mesmo que já o tenha, nem que seja para oferecer a alguém… Obrigado!
De Afonso a Marcelo em poucos minutos
Não sei donde caem estas conversas, que não são como as cerejas, mas antes como as bolas nas roletas dos casinos, que dão voltas e voltas e acabam sempre onde menos esperamos.
O certo é que o Simão, numa daquelas conversas em que ele vai lá atrás, na cadeirinha, e nós os dois à frente, perguntou-nos:
— Quem é o presidente de Portugal?
Entreolhámo-nos. Donde viria aquilo?
Dissemos o nome do nosso actual presidente e ele vai e pergunta:
— Há presidentes que já morreram?
Foi então que lhe explicámos que sim, há muitos presidentes que já morreram — e antes dos presidentes havia os reis.
— Já morreram?
— Sim, os reis de Portugal já morreram. Todos.
Na cabeça dele, parecia que a História tinha sido mesmo agora e os reis tinham morrido vítimas duma qualquer epidemia.
Tentámos explicar que, sim, já tinham morrido todos, mas há muito, muito tempo — e um de cada vez. Perguntou-nos então como se chamavam os reis e, enquanto víamos o Tejo a brilhar ao sol, fizemos um exame de História de que não estávamos à espera.
— Bem, o primeiro foi Afonso Henriques… — e lá seguimos pelos séculos fora. De vez em quando, ele perguntava-nos se o dito rei já tinha morrido e nós lá explicávamos que sim…
Quando chegámos a D. Sebastião, ele fez a mesma pergunta e aí hesitei.
— Bem, há quem diga que esse ficou vivo lá pelas areias de Marrocos. — O Simão ia fazer uma pergunta qualquer, mas atalhei, antes que me enredasse nas areias do sebastianismo: — Mas está morto, também. Adiante. Logo a seguir veio um senhor muito velho chamado Henrique…
Chegados ao século XIX, contei-lhe que houve um rei que andou em guerra com uma rainha, embora na verdade a guerra fosse com o pai dessa rainha — e que esse rei foi expulso e nunca mais voltou. Ele quis saber o nome e eu disse-lhe «Miguel» e ele perguntou se o tal rei Miguel era mau. Eu fiquei sem saber o que dizer, pois são guerras muito antigas e eu sei lá se o dito D. Miguel era mesmo mau.
— Dizem que sim, filho.
Falámos-lhe ainda do rei D. Fernando II, que era rei porque se casara com a tal rainha e que construiu um palácio em Sintra — isto para ver se a conversa se desviava para outros lados, porque em breve chegaria aos presidentes e, por alguma razão, é mais fácil saber a lista dos reis do que dos presidentes.
Chegados a D. Carlos, disse-lhe que ele já tinha visto uma fotografia desse rei no Aquário Vasco da Gama… Mas o Simão não mordeu o isco e continuou a querer saber os nomes dos reis.
Falámos-lhe então de D. Manuel II, que tal como o D. Miguel, também foi expulso e acabou a viver em Inglaterra (na língua que usamos lá em casa, Inglaterra vem sempre com a descrição «a terra da prima» logo a seguir).
— Eu ainda não existia quando o Manuel foi expulso?
— Não, não existias…
— Foi no tempo dos dinossauros?
— Não, tudo isto foi depois dos dinossauros, mas antes de tu nasceres.
— Já tinhas nascido, mãe?
— Foi antes de nós nascermos…
Lembrei-me então de dizer, para ele se orientar:
— Olha, mas o rei D. Manuel II ainda era vivo quando o avô Manuel nasceu…
Talvez assim o tempo começasse, devagar, a encaixar.
Falámos então dos presidentes. Começámos em Manuel de Arriaga e, entre nomes que já não tinham números à frente, mas lá iam avançando pelo tempo, numa sucessão que, embora não seja a História real e dorida, é mais fácil de perceber, com as datas e os nomes e as histórias de guerras e exílios a ajudar, lá chegámos ao nosso actual presidente…
— Chama-se Marcelo — e usámos o primeiro nome, por hábito, quase como se fosse um rei. Porque será? Por pouco, não resvalamos para «D. Marcelo I», mas não quero insinuar traços monárquicos no presidente da nossa querida República.
— O Marcelo vai ser presidente até morrer?
Já assustados, dissemos:
— Não, não! — e falámos um pouco das eleições: — Somos nós todos que pomos um papel numa caixa e escolhemos. Quem tiver mais papéis com o seu nome fica presidente. Daqui a uns anos, escolhemos outro e o Marcelo deixa de ser presidente.
— Ah, e depois é expulso?